Novo Pacote Fiscal: primeiras impressões

Escrito em 28/11/2025

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez na noite da última quarta-feira (27/11/2024), um pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, anunciando o tão aguardado pacote de cortes de gastos do governo brasileiro. Horas antes do pronunciamento, a proposta de aumento da faixa de isenção do IR para até R$ 5 mil já havia sido anunciada e levou o dólar a ser cotado em valor superior a R$ 6,00.

O pacote, que era amplamente aguardado pelo mercado, estima economia de R$ 70 bilhões aos cofres públicos, e a demora para a sua publicação se deu devido à negociação da equipe econômica com ministros do governo. Na segunda-feira, Lula e Haddad se reuniram com os representantes de vários ministérios para apresentação do texto final do pacote de ajuste fiscal. O aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, foi incluído no fechamento da proposta para um maior alinhamento do pacote com pautas defendidas pela base de aliados do atual governo, o que a princípio seria proposto posteriormente.

Um dos principais pontos da proposta inclui o reajuste do salário-mínimo nas regras do arcabouço, garantindo ganhos reais (reajustes acima da inflação) ao salário-mínimo de forma consistente com o orçamento da União, ou seja, limitado a 2,5% ao ano. Muitas das despesas primárias da União são indexadas ao salário-mínimo, e a inclusão do reajuste dentro da regra fiscal traria um impacto em cadeia favorável ao cumprimento do arcabouço.

O salário-mínimo será ajustado pela inflação do ano anterior, acrescido do crescimento real igual ao PIB de dois anos anteriores, com a variação real dentro dos limites do arcabouço fiscal, que é de 2,5% ao ano. Atualmente, não há limite máximo para o reajuste. 

Outra regra alterada foi a do abono salarial, que passou a abranger trabalhadores que recebem até R$ 2.640, sendo o valor corrigido anualmente pelo INPC até que se chegue ao valor de 1,5 salários-mínimos. Considerando a regra atual, haverá redução do limite de quem tem direito ao benefício, que hoje é de R$ 2.824. 

Dentre as medidas anunciadas, destacamos ainda temas como supersalários no funcionalismo público, que visa identificar e ajustar remunerações que superem o teto constitucional, além da extinção da transferência de pensão de membros das forças armadas, fixação de 3,5% da remuneração à contribuição do militar para o fundo de saúde e estabelecer progressivamente idade mínima para reserva remunerada, que atualmente é de 50 anos. Detalhes como qual será a idade mínima e como serão incluídos os benefícios que ficam fora do teto constitucional não foram expostos.  

A proposta limita o crescimento das emendas impositivas ao arcabouço fiscal, restringindo emendas nas despesas discricionárias do Poder Executivo e vedando o crescimento real das emendas não impositivas. O montante global das emendas parlamentares deverá crescer abaixo dos limites das regras fiscais, e 50% das emendas das comissões do congresso serão destinadas à saúde pública.

Alinhado à proposta inicial do arcabouço, que prevê meta de superávit primário, as novas regras trazem gatilhos para reenquadramento das despesas primárias. Segundo a proposta do governo, em caso de déficit primário, quando as receitas são menores do que as despesas, fica proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários. 

Sobre a isenção de IR citada no início desse texto, que eleva a faixa de R$ 2.824 para R$ 5.000, a compensação da renúncia de receitas viria da fixação de alíquota efetiva mínima para os que recebem mais de R$ 50 mil mensais. A medida foi incluída no pacote a pedido do presidente Lula e, caso aprovada junto ao congresso, passará a valer a partir de 2026.

Em linhas gerais, as medidas apresentadas pelo ministro Haddad buscam conter a deterioração das contas públicas e demonstrar compromisso com a responsabilidade fiscal. Como citado pelo próprio ministro da fazenda “as medidas consolidam o compromisso do governo com a sustentabilidade fiscal do país”.  

O mercado passou a reagir de maneira mais intensa desde a indicação da reforma da renda, que ocorreu horas antes do pronunciamento do ministro. As primeiras leituras foram negativas por parte do mercado, que entendeu que a movimentação foi mais voltada para a sua base de aliados e para o seu eleitorado, do que propriamente ao compromisso com as regras do arcabouço. No início desta quinta-feira, o dólar chegou à cotação de R$ 6,00 pela primeira vez, refletindo a leitura negativa do mercado, mesmo com a coletiva de imprensa que a equipe econômica fez no início do dia para detalhamento das medidas. O Ibovespa também abriu o pregão em forte queda e, no meio do dia (momento em que elaboro o texto), acumula queda superior a 1,20%.

O comportamento da curva de juros também tem sido negativo para os mercados, com a curva DI X Pré para 2026 saindo de 13,50% no fechamento do pregão de quarta-feira para a cotação de 13,82% no meio da quinta-feira. Tal comportamento de abertura da curva atinge em cheio os índices de renda fixa, mas só conseguiremos observar o desempenho nos próximos dias, com os valores consolidados.

Várias das medidas apresentadas obrigatoriamente deverão passar pelo congresso nacional, o que traz um elevado desafio para a articulação do atual governo e podem colocar em xeque a previsão (R$ 70 bilhões) de economia a ser gerada. 

A equipe econômica atuará nos próximos dias para trazer à tona maiores detalhes das propostas e como chegaram ao valor estipulado da economia a ser gerada, bem como os agentes de mercado buscarão um melhor entendimento e criarão estimativas que podem divergir dos valores apresentados pelo governo. 

Para Ruy Alves, sócio e gestor sênior da Kinea, “as medidas não atenderam o principal ponto que o mercado financeiro buscava, que era o endereçamento da dívida pública para uma trajetória consistente de queda no futuro”. Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, levanta a possibilidade de o Congresso aprovar apenas o texto sobre a desoneração do IR mas não taxar os que mais recebem rendimentos mensais. Sobre a reforma da renda, surgem questionamentos sobre se rendimentos financeiros também serão considerados para os novos limites, entre outros temas levantados no mercado.

Já na visão de Maílson da Nóbrega, ex-minisro da Fazenda, o pacote fiscal “não foi tão ruim assim” e analisa que houve grande decepção do mercado pois esperavam um ataque mais direto aos gastos obrigatórios. Para Nóbrega, “quem esperava mais que isso é politicamente ingênuo”. 

Vale destacar que a divulgação prévia, de que o pacote geraria uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos, teve leitura mais favorável quando divulgado há algumas semanas e refletiu positivamente no mercado, ainda que de forma cautelosa.

Algo que podemos analisar mais rapidamente é que o atual patamar de juros do Brasil, que tende a pressionar o setor produtivo da economia no que se refere à oferta de produtos e serviços, alinhado ao aumento da faixa de isenção do IR em um cenário de desancoragem das expectativas de inflação, pode pressionar ainda mais os preços no país, fazendo-se necessária a manutenção de juros elevados por um período mais prolongado. 

Ademais, nos próximos dias, novas informações devem surgir e movimentar o mercado. Qualquer leitura mais ampla das novas regras neste momento se mostra um tanto quanto precipitadas.